quarta-feira, 21 de abril de 2010

Cinema e formação de crianças

Alessandra GomesProfª do CFP/UFRB


Walter Benjamim afirmou que o cinema, pela possibilidade de reprodutibilidade e por sua característica coletiva e móbil é uma arte com forte potencial revolucionário e emancipatório. Diferente da contemplação que nos convida a pintura, a sequencia diferenciada das inúmeras imagens do cinema nos remete a sentimentos e sensações simultaneas e diversas. Do assombro e do susto, passamos imediatamente à alegria e à indignação numa velocidade tão grande de sensações que nem chegamos a darmo-nos conta dessa reviravolta afetiva que nos acomete. Antonio Candido de Mello e Souza nos diz que o contato com as diferentes manifestações da arte não é uma experiência inofensiva, mas algo que pode causar dilemas morais, éticos, políticos e sociais. Esse atributo demonstra o importante papel da arte na formação das personalidades, bem como da humanização enquanto um “processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso de beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor”.

E na formação das crianças, como atua o cinema? Como o discernimento, ou seja, a capacidade de emitir um julgamento próprio, ainda está em processo de formação, é bem provável que o aprimoramente afetivo e intelectual oferecido pelo cinema não seja de imediato percebido, mas pode ser fundamental para a formação, sobretudo aquela que diz respeito aos valores, e para o fortalecimento, na pré-consciência, de mecanismos de resistência, como bem salientou Theodor Adorno.

E quais valores fundam uma sociedade voltada para a formação de sujeitos que sejam capazes de agir e resistir aos convites à barbárie e que se recusem a dominar o outro? Filmes como Kirikou e a feiticeira, Azul e Asmar e Viagem de Chiriho nos remetem a valores humanos – muitas vezes desgastados pelos mais diversos discursos, que servem os mais variados interesses – tão fundamentais para isso que chamamos mundo, ou seja, esse algo comum, construído pelas mãos dos novos e dos velhos, como bem nos lembra Hannah Arendt. Nesses filmes, são as crianças – com sua espontaneidade, curiosidade e inocência – as portadoras e difusoras principais desses valores. Isso nos leva à pergunta: por que esses diretores escolheram justamente as crianças para encarnarem tais valores? É a mesma pergunta que nos fazemos diante de Quino quando escolhe Mafalda, Liberdade, Miguelito e outros pequeninos para encarnarem os valores de nossa sociedade. É talvez, porque são eles que construirão algo novo e imprevisto – mas não sem a nossa colaboração – para nós.

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ADORNO, T. Educação e Emancipação. Sao Paulo, Paz e Terra, 2000.
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. Sao Paulo: Prespectiva, 1974.
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas. Vol. 1. São Paulo, Brasiliense, 1985.
SOUZA, Antônio C. De Mello e. Educação, Cidadania e Direitos Humanos. Sao Paulo, Vozes, 2004.

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